sexta-feira, 4 de março de 2016

2 poemas de MARINA COLASANTI






MARINA COLASANTI



Mas o corpo

A morte chegou naquela casa
com um molho de chaves na cintura.
tudo estava trancado a sete trincos
atrás de espessas portas.
Mas o corpo do morto
jazia aberto.
Atrás das portas de mogno
atrás das portas de cedro
sedas damascos
rendas de Veneza
cortes de tafetá
e antigas tramas
defendidos estavam
com suas traças.
Mas o corpo do morto
jazia aberto.
Atrás das portas de chumbo
atrás das portas de aço
espelho baços
taças de escuro estanho
e as salvas as travessas os talheres
prata marfim e ferro
do seu forro de feltro
faziam fecho.
Mas o corpo do morto
jazia aberto.
Atrás das portas de vidro
atrás das portas de espelho
estampas papeis pinturas
e caixas sobre
caixas e
caixas
barricavam
pendentes
o casulo do smoking e
as hibernadas asas da casaca.
Mas o corpo do morto.
Quando um colar de pérolas
se parte
é a morte
anunciando sua chegada.
selado entre veludos
que a dura noite do cofre encerra
partido está o colar.
E o corpo do homem
o corpo que foi corpo
e agora é nada
jaz
sem sentido ou tranca
enquanto
em silêncio
tilintam as chaves.





                                               Roma 2001



...



MARINA COLASANTI


E ainda é primavera

 
A Morte está rondando o condomínio.
Um a um cortou o hálito dos velhos,
a vizinha da frente
o irritado senhor da casa branca,
o alemão mais adiante.
Agora sobe e desce nas ladeiras
cartucheiras cruzadas sobre o peito
macacão camuflado de batalha
a descarnada mão sobre o gatilho.
Uma tosse
um lumbago
são prenúncios que apõem de sobreaviso.
Mas estamos teimando em resistir
a poder de xaropes e Pilates,
e porta alguma cede ao seu coturno.
Os cães latem comprido quando passa

há um alerta entre as aves.
E a Dama vai em patrulha nos jardins
com uma flor incendiando a touca ninja.




                                               Mury 2007





em : Passageira em trânsito / 2009




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