segunda-feira, 21 de março de 2016

tudo ao mesmo tempo agora [reprise?] - by LdeM




Tudo ao mesmo tempo agora
[reprise ?]


o ônibus sanfonado arranca e dobra a esquina

dois jovens suados correm na avenida noturna

o barzinho ao lado cheio de drinks & goles

um garçom sem sorrisos desliza com a bandeja

uma camiseta preta de cabelos cacheados alcança
o ônibus parando

o homem de barriga de chope ouve bolero nos fones

um homem com óculos redondos carrega uma mochila
com livros

na igreja ao lado um solo de guitarra em louvor

o pastor ergue a bíblia e declama o salmo do bom pastor

outro garçom ergue a voz ao garçom sem sorrisos

uma fiel grita aleluia e ergue as palmas
.

um jovem casal de camiseta preta espera o ônibus
na próxima parada

outro casal devora um sorvete de morango & chocolate
com calda de licor

ao lado uma senhora se procura no espelho aprovando o
novo penteado

uma moça de lábios sombrios folheia um livro sobre gangues
dissidentes

o amigo confere novos vídeos que infestam os celulares

um jovem de boné apregoa chocolates e balas de menta

e uma dupla de quase-advogados discutem juridicamente
as medidas & demandas do ministério público

duas amigas discutem sobre a culpa & rudeza do ex-presidente
.

o casal de camiseta de caveira paranoica espera um show
no mínimo eletrizante

outro vasculha em busca de filme na TV portátil

famílias se acomodam sob a estrutura maciça do novo viaduto

bicicletas infestam a bruma de mercúrio da avenida central

enquanto uma viatura exibe dois soldados de carrancas hostis

o pastor lembra as batalhas & libertinagens do bom rei Davi

sorvete duplo com cobertura de baunilha é o pedido da
segunda mesa à direita
.

uma nuvem de monóxido de carbono decora o caneiro central

lambidas de um cão fiel refrescando um mendigo adormecido

o homem com a mochila de livros para diante da farmácia

o terceiro garçom serve o chope aos familiares do velho freguês

novos aleluias e novas palmas na congregação apoteótica

sob o novo viaduto reina o regresso & a fome

rasga a noite o baixo nervoso de Steve Harris

o funcionário acerta a reforma do apartamento do patrão

a loja de moda feminina fechou as portas às 19h17
.

político A liga para político B para definir a delação premiada
do político C

balas de menta em cortesia para o motorista gente-boa

o solo de guitarra cavalga com as águias nos altos céus

a metralhadora atira digital no videogame de alta-vibração

virando & subindo & brecando & descendo & acelerando
a lotação vai lotada

garçom & garçonete ironizam o rapaz da tatuagem apocalíptica

empresário anuncia à esposa os planos de viagem a Miami

duas beldades fecham a loja de moda feminina
.

o segundo político nega a credibilidade do terceiro político

um casal discute diante do sobrado enquanto a criança chora

novo homicídio na periferia é registrado na DP

não me deixe na pior, diz o refrão da música no fone

sobre o estádio abre-se o olho da lua envelopada

mais fotos íntimas vazam criminosamenre numa rede social

a criança com sorvete para diante do sinal em verde

uma idosa entra na congregação e cai de joelhos

adolescentes seguem badernando para o bem-aventurado baile funk

novos policiais são requisitados na avenida central

outro telefone público é depredado por desocupados na alameda escura

o marido carrega má notícias com a lista de dívidas

beijos molhados unem cabeleiras frenéticas

a arena lotada entoa locamente The Number of the Beast ...


BH


19/20mar16


Leonardo de Magalhaens

sexta-feira, 11 de março de 2016

Trump e sua trupe -- poema by LdeM


 


Trump e sua trupe



a beleza é fugaz
o horrendo é permanente


a paz é instável
a guerra move o lucro


a razão é uma gota
num poço de irracional


o silêncio jaz inútil
numa gritaria de comício


o diálogo vira encenação
a violência então prevalece


a simplicidade nos preserva
o complexo leva à queda


paz social é opressão
enquanto uma elite lucra


igualdade de oportunidades?
onde? no meio de privilegiados?


os generosos são poucos
enquanto a filantropia é marketing


progresso é mera propaganda
em um mundo de atrasos


hospitalidade é slogan
enquanto deportamos os refugiados


o patriotismo é sangrento
quando nutre nacionalismos


o fascismo é mesmo fascinante
a democracia, mera demagogia


a civilização é um verniz
sobre a nossa barbárie.



09/10 mar 16



Leonardo de Magalhaens

sexta-feira, 4 de março de 2016

2 poemas de MARINA COLASANTI






MARINA COLASANTI



Mas o corpo

A morte chegou naquela casa
com um molho de chaves na cintura.
tudo estava trancado a sete trincos
atrás de espessas portas.
Mas o corpo do morto
jazia aberto.
Atrás das portas de mogno
atrás das portas de cedro
sedas damascos
rendas de Veneza
cortes de tafetá
e antigas tramas
defendidos estavam
com suas traças.
Mas o corpo do morto
jazia aberto.
Atrás das portas de chumbo
atrás das portas de aço
espelho baços
taças de escuro estanho
e as salvas as travessas os talheres
prata marfim e ferro
do seu forro de feltro
faziam fecho.
Mas o corpo do morto
jazia aberto.
Atrás das portas de vidro
atrás das portas de espelho
estampas papeis pinturas
e caixas sobre
caixas e
caixas
barricavam
pendentes
o casulo do smoking e
as hibernadas asas da casaca.
Mas o corpo do morto.
Quando um colar de pérolas
se parte
é a morte
anunciando sua chegada.
selado entre veludos
que a dura noite do cofre encerra
partido está o colar.
E o corpo do homem
o corpo que foi corpo
e agora é nada
jaz
sem sentido ou tranca
enquanto
em silêncio
tilintam as chaves.





                                               Roma 2001



...



MARINA COLASANTI


E ainda é primavera

 
A Morte está rondando o condomínio.
Um a um cortou o hálito dos velhos,
a vizinha da frente
o irritado senhor da casa branca,
o alemão mais adiante.
Agora sobe e desce nas ladeiras
cartucheiras cruzadas sobre o peito
macacão camuflado de batalha
a descarnada mão sobre o gatilho.
Uma tosse
um lumbago
são prenúncios que apõem de sobreaviso.
Mas estamos teimando em resistir
a poder de xaropes e Pilates,
e porta alguma cede ao seu coturno.
Os cães latem comprido quando passa

há um alerta entre as aves.
E a Dama vai em patrulha nos jardins
com uma flor incendiando a touca ninja.




                                               Mury 2007





em : Passageira em trânsito / 2009




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