NICOLAS
BEHR
POEMA
PRA QUEM GOSTA DE POESIA
a
emoção é a matéria-prima da poesia
assim
como o calcário é a matéria-prima
do
cal e do cimento
pra
chegar à poesia,a emoção
passa
por um processo de pré-trituração
anaeróbica,
é centrifugada à vácuo
nos
pulmões do cérebro e depois lavada
nos
altos-fornos da laringe
na
segunda fase, a emoção, se resistir
a
essa trituração mecânica, é selecionada
manualmente
pelo poeta, toda picadinha
é
por isso que a emoção chega a você
assim
em forma de letras
que
juntas formam palavras
que
juntas formam versos
que
juntos formam emoção
de
que tanto precisamos,
matéria-prima
da vida
…
plantei
um pé-de-tempo
no
canteiro das horas
e
fiquei esperando os
brócolis
da eternidade
nasceram
relógios de alface
ponteiros
de couve
segundos
de tomate
tic-tac
de pontuais cupins
formigas
cortam folhas-de-minutos
onde
o futuro inseto é pupa,
horário
de borboleta
junto
ao pé-de-tempo brotaram
calendários
de flores
e
relógios de sol
para
despertar onze horas,
sem
a pressa dos adubos químicos
agendas
para passarinhos
compromisso
de poesia
…
DAS
VANTAGENS DE SER CONFUSO
olhar
e ver tudo torto, errado
das
vantagens de ser incoerente
demente,
temente, tenente, patente
das
vantagens de ser repetititititititvo
das vantagens de
ser livre, foda-se!
das vantagens de se
fingir de morto
qual peixe na
feira, olho aberto, parado
das vantagens de
ser totalmente louco,
pirado, sem nenhum
compromisso com nada,
escravo da mente,
sem consciência
celular, sem
celular, sem a porra da
agenda, sem rima,
sem nada,
só a loucura
insana a te emoldurar a alma
loucura – esta
bela armadura
esta couraça
intransponível
este colete a prova
de tudo
este poema,
impiedoso,
a te perfurar o
coração
…
POEMA
ANTI-AJUDA
felizes
os fracos de espírito
pois
estes têm gurus
felizes
os que ainda botam fé
no
ser humano
felizes
os que sabem ler
e
têm algo para comer todos os dias
felizes
os que criam o inferno
para
depois prometer o paraíso
felizes
os indiferentes, que não se comovem
com
nada e sofrem menos
felizes
os que mentem para si mesmos e
acreditam
piamente nisso
felizes
os infelizes, pois estes são
os
verdadeiros iluminados
felizes
os que nunca choram e, portanto, não
passam
vergonha
felizes
os que tem autoconfiança, autoestima,
automóvel
felizes
os amigos dos poderosos,
que
tudo querem, que tudo podem
felizes
os que acreditam
no
amor de cristo pois estes
não
tem mais salvação
felizes
os andarilhos, os indecisos,
os
confusos, os sem-rumo-na-vida
felizes
os que choram com facilidade pois estes
estão
sempre reciclando
a
água parada dos seus olhos,
fazendo
chover em seus corações
felizes
os piegas, os românticos
ultrapassados,
os bregas, os que falam de amor
sem
medo do ridículo, nem que seja
naquela
música que vive tocando no rádio
e
o povão adora
felizes
os que escrevem livros de auto-ajuda e
ganham
muito, muito dinheiro,
que
é o que realmente importa,
que
é o que realmente interessa
…
A
BALADA DO FALSO POETA
minha
miséria é meu tesouro
nasci
para ser sombra
não
tenho face
minha
espada acovardou-se
fraca
é a minha vontade
a
voz do meu algoz é doce
suave
é o seu abraço
nas
certezas, combustível
nas
incertezas, chama
tudo
que condeno me atrai
tudo
que desprezo desejo
tudo
que amo destruo
tudo
que admiro não quero
tudo
que elogio é falso
tudo
que assisto é por interesse
tudo
que enterro nada cresce
tudo
que sei guardo pra mim
tudo
que beijo morre
tudo
que é oficial subverto
tudo
que toco não ressuscita
tudo
que gero vira nada
tudo
que vi cegou-me
tudo
que aplaudo desaprovo
tudo
que é poesia já escrevi melhor
tudo
que não é martírio sofri
tudo
que me lembro muito bem
tudo
que não prometo cumpro
tudo
que é burocrático me ojeriza
tudo
que leio se desintegra
tudo
que me dá medo recuo
tudo
que escrevo nego
in:
O BAGAÇO DA LARANJA / 2009
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