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É preciso humanizar
É preciso humanizar os companheiros de viagem. De volta do serviço, no ônibus lotado, observo as pessoas... De onde? Para onde? Os nomes? Conheço nenhum.
Todas e todos moram aqui no bairro, onde vivo já uma década. Diante de mim, uma senhora olha pela janela, lá fora o trânsito de sexta-feira ao anoitecer. Morena, gorda, simpática, é católica devota. Parece que volta de uma clínica ou hospital. É a avó da moça que trabalha no caixa da padaria. A moça que trabalha sem olhar muito para os fregueses. Parece tímida, mas já vi a moça discutindo com um senhor sobre o valor cobrado por um lanche. Aí ela falou em alto e bom tom.
A moça mora no mesmo prédio que aquele rapaz, junto a porta do ônibus, com um uniforme de concessionária de veículos. Ele trabalha na equipe de manutenção e reparos. Se não me engano, ele está noivo de uma mocinha evangélica que mora na rua de cima.
Na rua de cima onde justamente está a escola municipal, onde estudam os filhos daquela jovem senhora, balconista de loja de tintas e pigmentos, quinze anos de casada, com um pastor pentecostal, que durante a semana é um mestre-de-obra.
Ao lado da jovem senhora esposa do pastor está sua vizinha, uma católica não- praticante, que trabalha numa agência bancária lá na Avenida Portugal. Tão jovem quanto a esposa do pastor, a católica não-praticante viaja com olhos semiabertos, com ares de cansaço e pouca disposição para diálogo.
Atrás delas, duas adolescentes estudantes chegando do estágio e reclamando dos valores pagos. Elas, duas moreninhas sorridentes, estudam de manhã e se transformam em estagiárias, e, antes de profissionais, já estão ironizando os patrões.
Dois homens conversam sobre o campeonato mineiro ali junto da sanfona do ônibus, enquanto sobem e descem, como se fossem surfistas nas ondas. Um é moreno e alto, com uniforme de empresa, óculos sem aros, uma mochila preta, fala alta e exaltada. O outro é branco e mais baixo, com óculos escuros, roupa comum, tênis de marca, e pouco se ouve o que ele diz, se afirma ou contradiz.
Às minhas costas, a mulher mais bonita deste lotação. Alta, morena, vestido de secretária, é justamente a secretária de uma empresa de advocacia. Ela olha para as luzes da avenida e responde uma mensagem no ZAP. Não vejo a bela conversando com amigas ou vizinhas. Fico a imaginar a voz da bela. Ela nunca me viu e a vejo sempre. Sei que ela mora depois do ponto da rua da escola, pois é lá que eu sempre desço. Ela vai além, deve morar lá pros lado do ponto final.
Por falar em ponto de ônibus, o meu se aproxima. Já estamos no bairro. Lá fora as crianças correm atrás de uma bola colorida. E um cachorro preto corre atrás das crianças. Aqui dentro o ar condicionado não é suficiente. As pessoas agitadas e ansiosas.
Ouço um pedaço de conversa entre os dois homens lá junto da sanfona do ônibus. Um diz que hoje vai chegar cedo. O outro brinca que pobre não pode chegar cedo em casa. Algo está errado.
-- Se chegar tarde, ela vai dizer que é traição, que tenho outra... Se chegar cedo é perigoso dar de cara com o outro... Dá ruim.
Minha hora de descer. Não ouvi o resto do fragmento de prosa ... As faces cansadas de afastam junto às janelas daquele microcosmo de ar-condicionado que se afasta. Fiquei distraído por um milésimo de segundo. Quase fui atropelado por um jovem motorboy entregador de fast foods!
Mar 25
LdeM
Escritor, crítico literário
Bacharel em Letras FALE / UFMG
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