quinta-feira, 27 de abril de 2017

A MÁQUINA DE AMNÉSIA - Shaun Tan







SHAUN TAN



[Australia]



A MÁQUINA DE AMNÉSIA


Estou de pé no meio da nossa rua. Ao longe vejo um enorme objeto de metal, uma espécie de máquina, arrastada pela rua na caçamba de um comprido caminhão. É aquele fim de semana longo e abafado antes da última eleição, e todo mundo parou de lavar carros, de ler jornal, de assistir a esportes ou de reformar os banheiros, para sair e curtir o inexplicável espetáculo. E para ganhar sorvete grátis, distribuído em uma van colorida que está sempre por perto. Ela toca uma musiquinha grudenta, que sei já ter ouvido antes.


Um espectador à minha frente diz: “É isso que faz você apreciar a beleza da engenharia humana”.


A máquina agora está tão próxima que tapa o sol, e sou forçado a concordar com ele. Ela é pesada, impõe respeito, está além da compreensão dos contribuintes comuns.


Mais à frente, o caminhão dá ré para entrar no parque sem árvores atrás do nosso shopping center. Uma equipe de operários já está esperando com um monte de guindastes e cabos, e partem para deslocar a monstruosidade para uma zona de grama demarcada com linhas oleosas. Ouve-se uma cacofonia de marteladas e soldas. Uma grande placa é afixada nas grades do muro: “MANTENHA DISTÂNCIA”. De repente, o silêncio. Não se vê mais os operários. Percebo que já está escuro e que todos foram para casa jantar e assistir ao noticiário.


Nas profundezas da estrutura de metal, luzes piscam e há um estranho zumbido elétrico, uma tênue vibração que sinto nos dentes do fundo, e outro estranho ruído, como o dos carros correndo à noite na autoestrada. Ao longe, um cachorro late.


Só me recordo disso ao ler uma matéria no jornal sobre os resultados da eleição, com a previsível vitória do governo, e outras matérias sobre controle da mídia, finanças públicas perdidas, corrupção e assim por diante, todas muito chatas. A maior parte das páginas traz um anúncio todo colorido de um novo sorvete rosa-choque.


Voltando da minha ida semanal ao supermercado, decido fazer o caminho mais longo, pelo parque, por pura curiosidade. Claro que não há nada para ver, apenas um quadrado vazio de grama recém-cortada envolto por uma cerca de arame farpado, com uma solitária placa dizendo “MANTENHA DISTÂNCIA”. Acho que isso sempre esteve lá, mesmo que eu não consiga imaginar o motivo.


Agora estou de volta à cozinha, ouvindo os ruídos ao longe da TV alta do vizinho (mais um programa de atualidades com uma musiquinha de abertura grudenta) e a leve agitação do trânsito noturno; um mar de burburinhos.


Estou tentando recordar meu sonho com a coisa, a máquina, mas mesmo agora os detalhes me escapam e minha mente se parece cada vez mais com uma sala vazia.


Só consigo pensar no sorvete de casquinha bem aqui na minha mão, derretendo. Era pra ser de morango ou de framboesa?




Shaun Tan

 “Contos de Lugares Distantes” 
 
(Tradução: Érico Assis. Cosac Naify, 2012, 104 páginas)



quarta-feira, 12 de abril de 2017

noturno / nighttime - poema by LdeM






                      noturno




anoiteço-me.

batido cadente

desloucado e fremente

gemente insone

junto a letra memorial

mente notívaga ondula

na pesarosa quietude revolta

tão silente talho-me uivante

e venço-me 
 
enxadrista zeloso.




noite,

abr17









                     nighttime


at night,

beaten fallen

crazy & disturbing

sleepless weeping

next the sign of memories

nighttime mind waving

in sorrowful quiet revolting

so silent I cut myself howling

and I win myself

careful chessplayer.




at dusk,

abr17




leonardo de magalhaens