segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

2 poemas de Fernando Fiorese





Fernando Fiorese



CARTA ABERTA

                                       Ao anagrama Magog
aos que de mãos impolutas assinam a miséria
aos que preferem o bunker ao abismo
aos que propõem civilizar o coração selvagem
aos que no teorema petrificam o poema
aos que não riem do dicionário
aos que emplumam o cão
aos que evitam os olhos do inimigo
aos contra-regras do gran teatro del mundo
aos que prefixam o radical
aos que prometem Ítaca sem epopéia
aos que rezam para adormecer o escorpião
aos que não sabem fazer o plural
aos que horizontalizam a paisagem
aos que tomam assento

a todos advirto:
escrever é também vingar-se



                        De Papéis Avulsos

 
COMO DESFAZER BAGAGENS
Como quem de viagem
demora a acomodar-se
ao clima, ao horário,
às vogais de outra sintaxe,
também escrever estranha
quando muda de paisagem.

Como quem de viagem,
o que carrega apouca
a dicionários, passagens
e alguma muda de roupa,
também escrever exige
aprender a descartar-se.

Como quem de viagem
pouco ou nada decifra
do manuscrito-cidade
(mal soletra as esquinas),
também escrever ensina,
menos importa encontrar-se.

Como quem de viagem
evita, quando sabe,
os apelos do fóssil,
do que é fausto adrede,
também escrever prefere
o que se dá sem salvas.

Como quem de viagem
sabe o prazer de andar
sem endereço ou idade,
com a roupa amassada,
também escrever comparte
esse corpo sem abas.

Como quem de viagem,
para rever a janela onde
lhe sorriu uma criança,
o embarque adiaria,
também escrever alcança
os vestígios desse dia.

Como quem de viagem,
das malas faz relicário
de rostos, ruídos e mares,
de balas, livros e ácidos,
escrever também seria
como desfazer bagagens.



                        De Corpo Portátil (1998-2000)





Mineiro de Pirapetinga, onde nasceu em 1963, Fernando Fábio Fiorese Furtado é mais identificado com a cidade de Juiz de Fora, onde reside desde criança. 
Professor de literatura, poeta, contista e ensaísta


entrevista em http://www.selmovasconcellos.com.br/colunas/entrevistas/fernando-fiorese-entrevista/



terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Nossa pobre Civilização Ocidental - by LdeM


 


Nossa pobre Civilização Ocidental
(ou A Civilização e seus Descontentes)


Pobre Civilização Ocidental !

Para os iluministas o Ocidente é irracional

Para os reacionários o Ocidente é degenerado

Para os revolucionários o Ocidente é alienado

Para os surrealistas o Ocidente é racionalista

Para os cristãos o Ocidente é pecado

Para o Islã o Ocidente é profanação

Para o capitalista o Ocidente é consumo

Para o pós-moderno o Ocidente é líquido

Para a feminista o Ocidente é machista

Para o machista o Ocidente é efeminado

Para a recalcada o Ocidente é libertino

Para os lógicos o Ocidente é superstição

Para o psicanalista o Ocidente é neurótico

Para a neurótica o Ocidente é mal-estar

Para o psicodélico o Ocidente é careta

Para os poetas o Ocidente é burocracia

Para o músico o Ocidente é barulho

Para os ecologistas o Ocidente é devastação

Para o gnóstico o Ocidente é Caos

Para os políticos o Ocidente é manipulação

Para a politicamente-correta o Ocidente é domínio

Para os xenófobos o Ocidente é tolerante

Para a cínica o Ocidente é pastiche

Para os orientais o Ocidente é afetação

Para os tradicionais o Ocidente é decadência

Para os vanguardistas o Ocidente é atraso

Para as devotas o Ocidente é blasfêmia

Para os pobres o Ocidente é exclusão



09jan15



Leonardo de Magalhaens


...

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Philip Lamantia - A voz dos médiuns da Terra







philip lamantia


a voz dos médiuns da Terra


Estamos mesmo alimentados
com máquinas mentais de paz & guerra
cérebros nucleares de monóxido, computadores cancerígenos
motores sugando nossos corações de sangue
que outrora cantaram coros de aves naturais!
Basta de dínamos & guindastes
bá-bá-bate de polias & pistões
invenção da Humanidade do Demônio
E logo
se forem silenciadas
e sobrevivermos aos altares de sacrifício
do deus automóvel e das vulvas de aço
vertendo loucura molecular
por várias camadas de pó satânico


se a Máquina completa da multidão algemada
não for dissolvida, voltando à Terra
de onde seus elementos foram roubados
deveremos evocar
a Grande Onda Oceânica
Neter das águas
e o Rei Atlante e seus espíritos-serpentes
também conhecidos como
Orco
Dagon & Draco
para que mandem ondas de marés calamitosas
de mil pés de altura, se preciso –
para enterrar todas as cidades monstruosas de metal
e suas bilhões, bilionárias rodas de morte química!


Oh, William Blake!
tu podes inspecionar, se te aprazes,
esta lição da Varredura Geral de Aquário
que o maravilhoso espírito de purificação terrena do Oceano
irá deter tais pesos e rapinagens
seu sangue metálico e pele muito fina
para nos ensinar a canção terrena de harmonias taoístas!


Trad. Márcio Simões






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