Fernando
Fiorese
CARTA
ABERTA
Ao anagrama Magog
aos que de mãos impolutas assinam a miséria
aos que preferem o bunker ao abismo
aos que propõem civilizar o coração selvagem
aos que no teorema petrificam o poema
aos que não riem do dicionário
aos que emplumam o cão
aos que evitam os olhos do inimigo
aos contra-regras do gran teatro del mundo
aos que prefixam o radical
aos que prometem Ítaca sem epopéia
aos que rezam para adormecer o escorpião
aos que não sabem fazer o plural
aos que horizontalizam a paisagem
aos que tomam assento
a todos advirto:
escrever é também vingar-se
Ao anagrama Magog
aos que de mãos impolutas assinam a miséria
aos que preferem o bunker ao abismo
aos que propõem civilizar o coração selvagem
aos que no teorema petrificam o poema
aos que não riem do dicionário
aos que emplumam o cão
aos que evitam os olhos do inimigo
aos contra-regras do gran teatro del mundo
aos que prefixam o radical
aos que prometem Ítaca sem epopéia
aos que rezam para adormecer o escorpião
aos que não sabem fazer o plural
aos que horizontalizam a paisagem
aos que tomam assento
a todos advirto:
escrever é também vingar-se
De Papéis Avulsos
COMO DESFAZER BAGAGENS
Como quem de viagem
demora a acomodar-se
ao clima, ao horário,
às vogais de outra sintaxe,
também escrever estranha
quando muda de paisagem.
Como quem de viagem,
o que carrega apouca
a dicionários, passagens
e alguma muda de roupa,
também escrever exige
aprender a descartar-se.
Como quem de viagem
pouco ou nada decifra
do manuscrito-cidade
(mal soletra as esquinas),
também escrever ensina,
menos importa encontrar-se.
Como quem de viagem
evita, quando sabe,
os apelos do fóssil,
do que é fausto adrede,
também escrever prefere
o que se dá sem salvas.
Como quem de viagem
sabe o prazer de andar
sem endereço ou idade,
com a roupa amassada,
também escrever comparte
esse corpo sem abas.
Como quem de viagem,
para rever a janela onde
lhe sorriu uma criança,
o embarque adiaria,
também escrever alcança
os vestígios desse dia.
Como quem de viagem,
das malas faz relicário
de rostos, ruídos e mares,
de balas, livros e ácidos,
escrever também seria
como desfazer bagagens.
Como quem de viagem
demora a acomodar-se
ao clima, ao horário,
às vogais de outra sintaxe,
também escrever estranha
quando muda de paisagem.
Como quem de viagem,
o que carrega apouca
a dicionários, passagens
e alguma muda de roupa,
também escrever exige
aprender a descartar-se.
Como quem de viagem
pouco ou nada decifra
do manuscrito-cidade
(mal soletra as esquinas),
também escrever ensina,
menos importa encontrar-se.
Como quem de viagem
evita, quando sabe,
os apelos do fóssil,
do que é fausto adrede,
também escrever prefere
o que se dá sem salvas.
Como quem de viagem
sabe o prazer de andar
sem endereço ou idade,
com a roupa amassada,
também escrever comparte
esse corpo sem abas.
Como quem de viagem,
para rever a janela onde
lhe sorriu uma criança,
o embarque adiaria,
também escrever alcança
os vestígios desse dia.
Como quem de viagem,
das malas faz relicário
de rostos, ruídos e mares,
de balas, livros e ácidos,
escrever também seria
como desfazer bagagens.
De Corpo Portátil (1998-2000)
Mineiro
de Pirapetinga, onde nasceu em 1963, Fernando Fábio Fiorese Furtado
é mais identificado com a cidade de Juiz de Fora, onde reside desde
criança.
Professor de literatura, poeta, contista e
ensaísta
entrevista em http://www.selmovasconcellos.com.br/colunas/entrevistas/fernando-fiorese-entrevista/
entrevista em http://www.selmovasconcellos.com.br/colunas/entrevistas/fernando-fiorese-entrevista/