Guto Amaral
#104
Dos
bancos
É tudo muito confuso, eu me lembro dos tempos incertos
das pilhagens, ou melhor, eu me tempo dos tempos em que um homem
tinha algumas certezas na vida. Nós sabíamos que morreríamos cedo
e provavelmente de alguma forma violenta, mas nós sempre sabíamos
que eram os mocinhos e quem eram os bandidos da história.
Não
da maneira que os livros de história contam, mas nós sabíamos que
soldados eram ruins, apesar de uns menos ruins do que outros, e que
gente honesta sofreria pois assim era o mundo. Mas acima de tudo nós
sabíamos dos sanguessugas que engordavam os celeiros e então nós
apenas os ajudávamos a esvaziá-los para que eles pudessem tornar a
encher.
Por algum ofício das artes negras, ou mesmo por um
castigo divino eu acordei quase trezentos anos depois, e o estado de
decadência na qual eu encontro os seres humanos é absurdo. Nem o
mais pessimista dos videntes de minha época imaginaria que nós
desceríamos tanto. Eu não sei bem explicar como tudo aconteceu, mas
em algum ponto nós perdemos nossa referências, talvez pela nossa
própria ignorância, talvez pela inteligência dos sanguessugas
abastados.
É estarrecedor ver como no lugar legado pelos
poderosos Vikings, os selvagens Hunos, os organizados Centuriões,
foi ocupado sem cerimonia e nem honra por ladrões descarados, porém
muito inteligentes. Custou-me muito compreender porque eles deixaram
de pilhar os gordos castelos entulhados de riquezas suntuosas e
passaram a pilhar os pobres que muito pouco ou nada tinham, mas uma
vez que compreendi o tamanho e a ousadia dos planos.
Em vez de
roubar os poucos abastados que mantém a maior parte da fortuna
mundial, eles uniram a eles e criaram um sistema que possibilitava
roubar o pouco que os mais pobres possuíam, mas roubar de todos ao
mesmo tempo o que possibilitou grandes lucros. Enquanto isso a classe
abastada garantiria toda a segurança e legalidade do processo, por
uma pequena taxa é claro.
Com isso cada pessoa era pilhada
não mais nas colheitas como fazíamos e recolhíamos o excedente dos
abastados, mas mensalmente e continuamente, criando uma espécie de
torpor que mantém a todos semiconscientes do que acontece. Sua
técnica é tão eficiente que eles até fazem vídeos em coisas
chamadas televisões mostrando as vantagens de se deixar roubar por
este ou aquele grupo.
O acordo que eles oferecem é simples,
você entrega seu dinheiro a eles, e eles vão dilapidá-lo aos
pouquinhos para que você não tenha a sensação de estra sendo
roubado. Para aqueles inocentes que tentam escapar da armadilha, a
burocracia, falhas de sistema e contratos com governo e empregadores,
tornam impossível qualquer forma de fuga.
Esses ladrões tão
eficientes quanto descarados chamam sua guilda de Sistema Financeiro
Internacional. Mais que os Cruzados, os Reis absolutistas ou os
loucos czares russos, os bancos, estes sim, me fizeram ter vergonha
de ser ladrão.
Guto
Amaral – 14/04/14
…
#105
Dos
bancos II – A origem
A reunião fora chamada às pressas e
de surpresa. A guerra tinha chegado a um nível crítico e novas
diretrizes eram necessárias para a vitória final. Os comandados de
Lúcifer não estavam acostumados a serem convocados a não ser por
meio da chibata. Seu chefe não saberia ser gentil nem se ele
quisesse, e ele nunca queria. Ainda sim desta vez emissário foram
utilizados e a chibata descansou. O chefe estava de muito bom
humor.
Desta vez havia até uma sala de reuniões, com
cadeiras e tudo o mais. A princípio todos estranharam aquilo e
ninguém quis se sentar, mas a uma ordem do chefe todos se sentaram.
A reunião começou com os balanços de guerra com ótimos números.
Quantas almas arrebatadas, quantos genocídios realizados, o ódio se
espalhando pelo mundo, a fome e a miséria disseminadas, mas ainda
assim, interveio o chefe: - Os caras lá em cima estão muito calmos,
nós estamos dando uma lavada neles e eles com toda a banca de
durões. Tem alguma coisa que nós não estamos conseguindo ver.
Um
analista demoníaco júnior apresentou sua análise em um relatório
muito extenso e cheio de gráficos: - São as igrejas, por mais que
nós os curvemos, eles sempre se voltam para o alto. Eles frequentam
as igrejas semanalmente sem nem saber por que, mas lá a conexão com
o alto é refeita e nosso trabalho perdido.
- É isso,
inflamou o chefe, precisamos criar o nosso próprio templo. Um lugar
que inspire às pessoas medo, ódio, raiva, impotência, frustração,
que os faça perder a fé em tudo e em todos.
Neste momento o
mesmo analista demoníaco júnior iniciou uma apresentação de
powerpoint com sua proposta. Basicamente ela consistia em uma
instituição que tomaria do homem aquilo que ele mais amasse no
mundo. Depois o prendesse em um labirinto burocrático que o fizesse
compreender que jamais teriam de volta seu amado tesouro, mas sem
nunca fazê-los perder totalmente a esperança.
- A princípio
nós pensamos em um campo de concentração para as famílias, mas
isso causaria muita comoção e até aumentaria a fé deles. Depois
chegamos à conclusão que p que os homens realmente gostam é de
dinheiro e inventamos algo chamado Banco. Nós os reduziremos a pó e
sua fé deixara de existir.
Neste momento, milhas acima, um
anjo observa tudo e pergunta a Deus:
- O que nós vamos fazer
senhor? Temos que detê-los a qualquer custo.
- Calma, meus
filhos não são tão burros de se deixar prender por uma ideia boba
como essa. Porque você daria todo o dinheiro que você ganhou
arduamente para uma instituição que só quer lhe prejudicar. Guarde
minhas palavras, esse tal de banco nunca dará certo.
Guto
Amaral – 15/04/2014
fonte
: facebook / guto amaral / um texto por dia
Guto
Amaral é jornalista, poeta, contista, professor de english,
organizador de saraus, autor de Tudo de Eu que há em Mim
(poesia). Reside em Betim/MG.