quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Reflexões Urbanas. poema de Teru Tamaki






TERU TAMAKI



REFLEXÕES URBANAS


9h. Sexta-feira. Verão. Encontro Marcado.
Cruzamento desmarcado do tormento grande da cidade grande.
Semáforo. Passarelas.
Poucas vielas, sem ruelas. Zebras e Apitos.
Gritos. Grilos. Corridas. Idas. Buzinas.
Hipertensões. Chega. Fica na fila. Espera.
Toma elevador. Sobe. Sala de Espera. Uma secretária.
Que parada! Enganada? Informações.
Espera. Cafezinho. Veja. Visão. IstoÉ. 10h15.
Bonitinha. Chama. Entra. Mesa de reuniões.
Papeis, pastas, plantas, contas. Controvérsias.
Desconversas. Acordos e riscos. Carimbos e cafezinhos. Os
            cigarros e a fumaça. 12h20. Sai.
Espera. Desce. Anda. Corre. Para. Espera.
E empurrado. Trombeteia. Atravessa. Espera.
Vira. Chega.
12h55. Mesa de restaurante. Espera. Chega.
Molho bem salgado. Chope de colarinho.
Carne mal passada. Preço
            bem passado. - Corta.
14h10. No outro prédio. Sobe. Para. Entra.
Pergunta. Tira o paletó. Acende o cigarro.
Telefonemas. Informações. Deformações.
Providências. Evidências. Decisões. Indecisões.
Senões. Obrigações. Fone. 'Sua' secretária.
Está bonita. Fornecedores. Especuladores.
Cafezinho. Formalidades. Informalidades. 'Que cidade!
                                 Oh boy!'
Horas passadas. Assadas.
A secretária se retocando. Fim de expediente.
Um belo relógio. 19h00.
Nova corrida. grevistas na rua. Grevistando.
Avisando. Reivindicando. Esposa no cabeleireiro.
Um casamento do filho do Severino.
Sujeito fino. Bom companheiro. Três vezes assaltado,
                         infelizmente.
Buzinas tocando.
Povo dançando - corta.
22h30. VT. Seriado. Colorido. O crime não compensa
               - corta.
23h50. Hora de descansar. Filosofar. Amanhã é sábado.
Tempo
        bom. Nublado. Sujeito a chuvas e trovoadas. Índice de
               poluição 947.3
Temperatura de sempre. - corta.
9h37. Sábado!!!
- Santos Guerreiros!
- Aonde vou? Estou?
- Corta.
9h39
- Bem... qualquer dia vou visitar o neto do Severino...
no próximo verão...
- Corta.



in: A Cidade. [2009] Ana Fani. A. Carlos




quinta-feira, 21 de setembro de 2017

mais poemas de FERNANDO FIORESE








FERNANDO FÁBIO FIORESE FURTADO




em CORPO PORTÁTIL / 2002



DOS APÓCRIFOS


1

nenhum autor reivindica
aquele osso de galinha
escorando a memória desta tarde
aquele caco de vidro
que como um céu
continua sem nós
aquela folhinha de 1972
aquele quarto
com pequenas paisagens
aquela escrivaninha
aquele catálogo de martelos
aquelas cortinas
e a palavra-em-torno
aquela órfã alegre
arrastando a boneca
para o colo da mãe
aquele telhado onde
o limite pousou
aquele azul
azul de quando não há
senão o mar

nenhum autor reivindica
este corpo sendo escrito
sem parágrafos nem datas



2

não tenho frases nem febres
e o transporte esgota
a janela e a nuvem
a cal dos muros o espaço
entre o objeto e sua sombra

entanto
urge vigiar as crianças
quando surpreendem o inverno
as unhas da mulher sob o lençol
os mortos que hospedamos

íntimos
têm seus lugares entre as coisas
guardam suas distâncias
e nos desconhecem
nos gestos que comandam

poucos lançaram o corpo
nos ofícios da casa
- até a palavra mãe
é preciso adoecer
ainda que a rota seja outra

escrever é para órfãos







3

por andar oblíquo
o crime em si

move por dentro
a grande hora

sobre o lago
um livro a esmo

até o martelo
decidir a pausa

desbordo é palavra
conquanto medida

de pregos feito
um caixote

onde guardamos
o animal luminoso



...



                                                                                Fernando Fiorese


Livro de cabeceira


1

senão ficções
pequenas prosas in blue
relíquias de ruídos no banheiro
roteiros que cegam
dramas sem ator ou cena
o oceano coligido num aforismo
o corpo imprevisto pela mão esquerda
a história natural do escuro
um epitáfio para a voz familiar
um monólogo sem rubricas
um inventário de perdas



2

sublinhas uma sentença
como quem subtrai
o músculo tenso da voz
até que se desmantela
em epigramas
exercício para gagos
ventrílocos afásicos
um outro
enunciando a distância




3


ao corpo nenhum consolo
apenas a elegância de mantê-lo
no terminal do texto

onde lecionam as paredes?




4


uma onda sob o sapato
e podes aferir
a altura da noite
nas formas de quem se ausenta








...






Fin-de-siècle


de quantas mortes um século precisa
quando basta um livro para morrer ?

de quantos cadáveres se acrescenta
antes que o dédalo nos decifre ?

de quantos áporos nos tecemos
para desenredar a mortlha de Narciso ?

de quantos horizontes nos despedimos
antes de saber que Ítaca não há ?

de quantos duelos nos desviamos
para a toilette de um corpo sem males ?

de quantos modos adoecemos
apenas para imolar o livro de cabeceira?

de quantos crepúsculos o motor desativamos
porque não sabíamos que já era hora?





mais em http://corpoportatil.blogspot.com.br/



                                                                                   Fernando Fiorese

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

3 POEMAS de IVAN JUNQUEIRA








IVAN JUNQUEIRA



[RJ, 1934 - 2014]



poemas




POÉTICA


A arte é pura matemática
como de Bach uma tocata
ou de Cézanne a pincelada
exasperada, mas exata.
 
É mais do que isso: uma abstrata
cosmogonia de fantasmas
que de ti lentos se desgarram
em busca de uma forma clara,
 
da linha que lhes dê, no espaço,
a geometria das rosáceas,
a curva austera das arcadas
ou o rigor de uma pilastra;
 
enfim, nada que lembre as dádivas
da natureza, mas a pátina
em que, domada, a vida alastra
a luz e a cor da eternidade,
 
tal qual se vê nas cariátides
ou nas harpias de um bestiário,
onde a emoção sucumbe à adaga
do pensamento que a trespassa.
 
Despencam, secas, as grinaldas
que o tempo pendurou na escarpa.
Mas dura e esplende a catedral
que se ergue muito além das árvores.
 




O PODER


Eis o poder: seus palácios
hospedam reis e vassalos,
messalinas, pajens glabros,
eunucos, aias, lacaios,
e até artistas e ratos.

Uma só migalha basta
à sordícia que se alastra,
e pronto surge uma talha
onde o cenário é lavado
para o próximo espetáculo.

O poder é assim: devasta,
corrompe, avilta, enxovalha,
do reles pároco ao papa,
e não há um só que escape
ao seu melífluo contágio.

Se alguém o nega ou o afasta,
compram-no logo, à socapa,
a peso de ouro ou de prata.
E se acaso não o fazem,
mais simples ainda: matam-no.

Tem o poder muitas faces:
a que se crispa, indignada,
a que te olha de soslaio,
a que purga e chega á lágimas,
a que se oculta, enigmática.

Mas são apenas disfarces,
formas várias que se esgarçam,
por entre véus e grinaldas,
porque assim vertem mais fácil
o vitríolo em tua taça.

E tu, rei de Tule, aos lábios
leva sempre, ávido, o cálice,
não por amor nem saudade
de quem se foi, entre as vagas,
de um castelo à orla do mar,

mas só porque, embriagado,
são de engodo as tuas asas
e de cobiça os teus passos,
que vão aquém das sandálias
e se arrastam rumo ao nada.

O poder é aquele pássaro
que te aguarda sob os galhos.
Tudo ele dá, perdulário.
De ti quer apenas a alma.
Por inteiro. Ou a retalho.






PALIMPSESTO


Eu vi um sábio numa esfera,
os olhos postos sobre os dédalos
de um hermético palimpsesto,
tatear as letras e as hipérboles
de um antiqüíssimo alfabeto.
Sob a grafia seca e austera
algo aflorava, mais secreto,
por entre grifos e quimeras,
como se um código babélico
em suas runas contivesse
tudo o que ali, durante séculos,
houvesse escrito a mão terrestre.
Sabia o sábio que o mistério
jamais emerge à flor da pele;
por isso, aos poucos, a epiderme
daquele códice amarelo
ia arrancando como pétalas
e, por debaixo, outros arquétipos
se articulavam, claras vértebras
de um esqueleto mais completo.
Sabia mais: que o que se escreve,
com a sinistra ou com a destra,
uma outra mão o faz na véspera,
e que o artista, em sua inépcia,
somente o crê quando o reescreve.

Depois tangeu, em tom profético:
"Nunca busqueis nessa odisséia
senão o anzol daquele nexo
que fisga o presente e o pretérito
entre os corais do palimpsesto."
E para espanto de um intérprete
que lhe bebia o mel do verbo,
pôs-se a brincar, dentro da esfera,
com duendes, górgonas e insetos.




in A sagração dos ossos [1989-1994]






mais em http://www.jornaldepoesia.jor.br/ivan.html

http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet210.htm


http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/ivan_junqueira.html

http://veredasdalingua.blogspot.com.br/2012/05/ivan-junqueira-poemas.html


http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/2014/03/poemas-reunidos-de-ivan-junqueira.html

http://www.proparnaiba.com/artes/2014/07/requiem-em-memoria-do-poeta-metafisico-ivan-junqueira.html


http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/07/1480359-leia-poema-inedito-de-ivan-junqueira-morto-nesta-quinta-feira-no-rio.shtml









quarta-feira, 30 de agosto de 2017

poemas surreais de Rodrigo Brito







RODRIGO BRITO


[MT, 1989-]



Cevada Amante


A tempestade colorida anseia
os mimos da sua parede vermelha
na imensa rua estreita da passarela
absoluta de seus cachos fotográficos
dentro daquele pulmão engraçado
de seu licor de abacaxi


...




Revolta Lasciva


Desenho o vazio suspenso
do frio solar marginal
para mastigar a voz laranja
que tens na valsa
os pastéis octogonais da memória


Ai, O futuro foi tão nostálgico!
Lembrava dos bacanais estéticos
tenebrosos que apontam aos cadernos anões
e absinto as pernas das paredes brancas





...





Pulsação Versátil


Sozinho nos jardins aglomerados
imensos de estrelas cantoras
que cantam as desconhecidas
cantigas de um universo acolhedor.
A ouvir o aroma do piscar sônico
um silêncio ensurdecedor lamenta
a despedida binária de luz intensa.


As chuvas galácticas são líricas
e desvendam os passos amorosos
aos versos de uma estrela giratória
que tocou as mãos meigas no rosto
de um beijo de primavera nos afagos
gentis de estrelas de nêutrons em transes


As estrelas são engraçadas!
Ao sorrir, desenhei um vento para
me lembrar as essências doces de cabelos
sedosos que recordam as linhas vermelhas
da eternidade enluarada e permanente


O ronco da Nebulosa do Caranguejo tripé
emite a cor massiva e me faz desejar
viver no rio colorido de seu olhar abrasador.
Oh, Nebulosa! A sinfonia de seu enigma
soletra o capítulo de amor em um
abraço carinhoso de Supernova






fonte> http://colunastortas.com.br/2014/07/22/poesia-surrealista-a-todo-vapor-com-rodrigo-brito-e-o-solsticio-ao-luar/



...










Rodrigo Brito




colheradas de mortes exalam

um vazio no corpo
os sustos as angústias
lápides internas todas devastadas
o silêncio lançamento de lembranças
imagens de oceanos
cheiros que levam ao abismo
memorial de sorrisos
o que carrega dentro dos olhos
não formam os desenhos


...




2


Vi um velho homem na narrativa da cidade
suas labaredas mediam as histórias
Ônibus passam sobre os mortos
ruas que desfazem esperanças
Defuntos nos cheiros
nos cheiros
quem me dera rasgar minha alma
e desenhar um barco com as folhas cortadas.











9


Quem me dera perder-me nos oceanos
lançaria todos os sorrisos ao fundo
secaria os planos
esqueceria as bocas que me beijam

As palavras não são para mim
os afagos tão distante de meus braços
não podem nunca ser meus

Os risos que não dei
são as vozes de meus silêncios








Rodrigo Brito nasceu em 20 de fevereiro de 1989 em Cuiabá, Mato Grosso. Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso, atualmente é discente do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem (PPGEL-UFMT). 
Autor de Solstício ao Luar (2013) e Visões (2015), possui colaborações em jornais e antologias. Apreciador de Rock’n’roll, leitura e cinema, tenta socializar os seus devaneios através da arte.




fonte> http://www.literaturabr.com/2015/12/11/poemas-de-rodrigo-brito/









mais em http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?pag=1&id=49047&categoria=7&lista=lidos











quinta-feira, 3 de agosto de 2017

ONDE ESTÁ O AMARILDO ? - by LdeM







onde está o amarildo ?


passos pesados nas sombras
passam vultos sem faces
- qual nome? qual identidade? -
exibem seus distintivos
apresentam cacetetes
marcham sem sorrisos
passos pesam no escuro
levam mais cartuchos
& gritam ordens
& arrebatam sonhos
& carregam corpos

- de onde? para onde? -

alvos na mira
tiros ecoam ativos
deixam rombos & ecos
em paredes & tetos
silenciam as vozes
& produzem órfãos
deixam o choro convulso
de mães sem filhos
de famílias sem futuro

- quem ganha? quantos perdem? -

novos números contam
para frias estatísticas
de burocracias doentias
de comandos tantos
de sinas assassinas
de donos da ordem
& regresso funesto
sem face sem nome
deixam cartuchos
& abandonam feridos
& arrastam mais corpos
& desaparecem na neblina
& volatizam joãos,
silvas e amarildos ...
corpos guiam as ruelas
amarildos somem nas favelas
tiros violam lares
em torturas militares
amarildos sobrevivem
zés-ninguém, idem ...





jul /17



by Leonardo de Magalhaens

segunda-feira, 31 de julho de 2017

2 poemas de LEONARDO ARAÚJO








LEONARDO ARAÚJO



CANTO DE ENTRADA

Não lavro palavras em vão.
O verbo que cresce no peito
é sol ganhando o corpo,
pássaro arranhando as entranhas.

Não deito este gesto em vão.
O punho que desenha o poema
é lâmina rasgando o silêncio,
ave em estado de canto e dor.

Evoco palavras que cortam
ao feitio de foice
e perfilam os calos da mão.

Palavras sombrias,
mas sempre decifráveis
como frutos e estações.

Palavras de esperança
que em meu peito arquivo
como queira guarda um vendaval.




...






SERMÃO DOS POEMAS FORAGIDOS DO PEITO


Os poemas foragidos do peito
discursam por vossas mãos,
soluçam por vossa alma
confinada no paraíso das avenidas,
suspiram por vossa saudade
nas cartas de amor extraviadas
pela via láctea dos correios.


Os poemas foragidos do peito
se encontram além das paralelas
em que vosso corpo penetra,
desenhando a geometria do encontro,
ou no pulsar dos pequenos objetos
que habitam vosso mundo.


Os poemas foragidos do peito
alvorecem em cada travessia
vossos passos adormecidos
e avançam pelas paredes de vossa morada
qual plantas sobreviventes do caos.




in Aprendiz de Alquimia [1984]






mais em http://www.leonardoaraujo.net/poemas_no_tapa.php