quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Sobre O Cético Selo [2021] obra do poeta e filósofo Rodrigo Starling

 


 

 

Sobre O Cético Selo (poemas, BH, 2021)
do poeta e pensador Rodrigo Starling


Poemaremos entre os extremos numa núpcias de opostos


    O desafio que é escrever um poema. A audácia que é adentrar o reino da Poesia. Somente reservada aos Eleitos e os Loucos. Ao Louco no alto da colina. Fool on the hill. Qual o propósito de se escrever? A que fim se destina? O que ganharemos com isso?

    Poesia pra quê? Poesia sobre poesia? Literatura sobre o fazer literário? Um eterno andar em círculos? Onde a poesia para a Vida? A poesia enquanto libertação? Poesia enquanto busca da Beleza, enquanto expressão, desde aquelas mãos pintadas nas paredes das cavernas neolíticas, ou enquanto resistência, o Eu clamando diante da opressão e das injustiças do mundo.

    Poesia sendo a externa expressão de desassossegos íntimos, inquietações do sentimento e do pensamento. Uma maneira que os humanos encontraram de comunicar afetos e percepções, de modo ritmado, ritualístico, performático, assim como criaram a música e o teatro, as orações e as religiões. Poesia como forma de re-ligação com uma pátria espiritual ou anseios de vida eterna.


    Poesia de visionários, de poetas videntes e profetas, poetas que são artífices da linguagem, grandes mensageiros da Essência – divina, atemporal ou humana, demasiado humana. W. Blake [1757-1827], Friedrich Hölderlin [1770-1843], Novalis [1772-1801], Friedrich Nietzsche [1844-1900], Arthur Rimbaud [1854-1891], Stephane Mallarmé [1842-1898], Alphonsus de Guimaraens [1870-1921], Ezra Pound [1885-1972], Rainer M. Rilke [1875-1926], Georg Trakl [1887-1914]. E claro, Charles Baudelaire [1821-1867], o poeta francês que fez a transição do romantismo ao simbolismo, sendo a ligação entre Blake e E. A. Poe e Rimbaud e Mallarmé. [Indicamos as leituras de Walter Benjamin e a modernidade de Baudelaire]



    A Poesia que é fala única através de um arranjo de palavras. Um poema é intraduzível – como traduzir Hölderlin, William Blake, Rimbaud, Ezra Pound – uma tarefa hercúlea e ingrata. Tentemos traduzir um trecho de Blake, Tyger, Tyger, burning bright / In the forests of the night // In what distant deep or skies / Burnt the fire of thine eyes? Como reproduzir em outro idioma a beleza sonora e imagética dos versos na língua do Bardo? [Aliás, constatamos as dificuldades e asperezas da tradução nas tentativas do português Fernando Pessoa de verter os sonetos de Shakespeare]




    De modo que aqui vamos falar de Filosofia e Poesia. Sim, de ambas ao mesmo tempo. Dos entrelaçamentos ‘quânticos’ entre elas, digamos. Martin Heidegger, professor e grande filósofo alemão, e infelizmente fascinado pelo canto da sereia nazista, para ter manchada sua biografia, será nosso guia neste ‘entrelaçar’ de pensar e poetizar. Heidegger via a poesia como uma volta a essência do pensamento, como uma forma de linguagem concentrada, ou como ele dizia, a “linguagem é a casa do ser”, ou ainda,  “A Poesia é a fundação do ser pela palavra”.

    Assim entre o pensamento e a poesia há uma relação de parentesco, pelo fato de ambos utilizarem a Linguagem e progredirem com ela. Porém entre o pensar e a poesia continua um abismo, ao morarem em cumes distintos.


    Poesia enquanto manifestação do Ser, na forma de produção/ poiésis. É a comunicação das possibilidades existenciais, uma abertura da existência, o objetivo do discurso poetizante. Poesia é vida e criação, não um jogo de palavras. Nada tem de atividade lúdica. Para o filósofo alemão a Poesia está além do gênero literário, não é uma questão de estética, de enfeite, de adorno, mas uma criação, é a própria Linguagem.

    Linguagem que é tecida e superada a cada geração. Onde está a História da Humanidade? Nas narrativas – na Epopeia de Gilgamesh, na Ilíada e na Odisseia, na Bíblia judaica, nos Salmos e nos Provérbios, no Novo Testamento, na Eneida, nas sagas nórdicas, no Edda, no Beowulf, no El Cid, no Bhagavad Gità, no Corão, no Shannameh persa, na Divina Comédia, nos Lusíadas, no Fausto de Goethe, no Kalevala … Na fala poética o verdadeiro testemunho das aventuras e desventuras da espécie que se expressa humana.

    Para o poeta alemão Hölderlin, estudado por Heidegger, o que importa é a vivência poética, para além do cotidiano, que nos afasta do poético, enquanto contato com os Deuses [aqui realmente o lado ‘pagão’ do poeta, que admirava o classicismo helênico, tal como depois influenciaria Nietzsche, para quem estamos ‘em decadência’ depois do ‘apogeu grego’.]

    Dois trechos seletos de Hölderlin demonstram bem está crença do Poeta de estar em contato com as Divindades, mais além das Musas, que empalidecem diante do fulgor do Olimpo,


“Teu silêncio entrarei, Mundo das sombras,
Contente, ainda que as notas do meu canto
Não me acompanhem, que uma vez ao menos
Como os Deuses vivi, nem mais desejo.”

[An die Parzen, Às Parcas, trad. Manuel Bandeira]

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“Assim também nós, poetas do povo, gostamos
De estar em meio à Vida que respira e ondula,
Amados de cada um, em todos confiando
Senão, como cantar os próprios Deuses?”

[Dichtermut, Coragem Poética, trad. Moacyr Félix]



    Em Heidegger e Nietzsche, além de Hölderlin, podemos sentir as tensões entre a filosofia e a poesia, nas palavras do místico Zaratustra, “Os poetas mentem demais”, os poetas criam mundos e entidades que não existem – ou existem só nos domínios da Linguagem. Assim uma poesia enquanto possibilidades da linguagem. E sempre se superando. Sem atividade poética há uma mumificação.


    Hoje a Poesia virou Arte num museu, como se fosse uma coisa antiga, idealizada. Uma múmia no museu. E precisamos a cada dia buscar, correr atrás do tempo perdido, nos clássicos que continuam clássicos, a cada leitura e tradução, para atualizarmos nossa re-ligação com o fenômeno Póetico. O poeta e crítico estadunidense Pound se ocupa do seu conceito de Paideuma, como o essencial que devemos ler para compreendermos o universo literário, quais autores e quais obras.


    Claro que cada leitor pode ter seu paideuma. Mas o crítico literário pode fazer suas listas, como fizeram os críticos e tradutores brasileiros Haroldo e Augusto de Campos, o escritor italiano Italo Calvino, em seu Por que ler os clássicos [1991], e também o crítico estadunidense Harold Bloom, em seu O Cânone Ocidental [1994].



    Também o poeta e filósofo Rodrigo Starling, entusiasta do voluntariado transformador, autor deste surpreendente e belo O Cético Selo [2021], tem seu paideuma, e seus clássicos, como podemos  perceber nos poemas eruditos e filosóficos que estão reunidos como um testemunho de suas indagações existenciais, até existencialistas.

    Em O Cético Selo há todo um arranjo poético que se inspira no simbolismo, nos pós-romantismo, que já denominamos ‘neossimbolismo’ [assim como alguns poetas se inspiram no barroco, e hoje temos um ‘neobarroco’] com um certo hermetismo de William Blake, o poeta místico britânico, que via anjos e demônios ao seu redor, lançando olhares para além das portas da percepção.

    A linguagem é formal, ritmada, tom erudito, plena de intertextualidades e referências, a exigir do/a leitor/a muita atenção e leitura prévia, de assuntos os mais diversos, de mitologia a física quântica, de filosofia clássica a cultura pop.


    Os poemas demonstram uma maturidade que poucos poetas de nossa geração conseguem alcançar. Um desejo de fala de sabedoria, de ministrar conhecimento, somente reservado aos Eleitos.


    E principalmente tratam do ceticismo, de um olhar e uma atitude cética diante da Vida, de modo a evitar dogmatismos e má-fé. É um tom sábio que encontramos em Eclesiastes, obra de pensamento e devoção, do filho de Davi, Salomão, rei de Israel, que diz no Capítulo 2, versículo 26, após discorrer sobre bens e conquistas de um reinado, “Isso também é inútil, é correr atrás do vento.”


    Encontramos, assim, ceticismo e niilismo na Bíblia, no Antigo Testamento? Sim. Lá está escrito, “Tudo é vaidade.” É uma voz de rei sábio, já avançado na vida de reinado e glória, mas que sabe que é preciso um sentido, uma razão para validar a vida. O que é a Vida? Um dom de Deus? Um acaso da natureza? Um produto da seleção natural, da Evolução das Espécies? Afinal, o que é a vida?

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O que é a vida?
O sopro, o perdão, o pêndulo
[…]
A flecha lançada,
A palavra dita
A oportunidade perdida

[Vida, p. 23]

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Vida é luta, como ‘flores no asfalto’
Como mato selvagem, imperecível …
A beira dos trilhos, nas frestas do concreto,
na boca do lixo

[Vida, p. 24]


    Vida que merece ser vivida apesar de tudo. É luta, então ‘aproveite a oportunidade’, ‘faça o seu dia’. A questão do suicídio é uma daquelas essenciais filosóficas par excellence para o existencialista franco-argelino Albert Camus [1913-1960] que se pergunta se a Vida merece ser vivida? Como devemos viver? O que é viver plenamente?

    Para as religiões a Vida é sagrada. A nossa e a dos outros. Tirar a própria vida é um terrível pecado. Principalmente para as três grandes religiões monoteístas, a judaica, a cristã e a islâmica.

    Para o poeta estadunidense Walt Whitman [1819-1892] a Vida é sagrada – e não devemos culpar a Vida e suas vicissitudes e desventuras. Tudo é um grande ciclo de sofrimento e aprendizado. Para o poeta tanto a alma quanto o corpo são sagrados [o que o diferencia do dogma cristão, que defende que o corpo é inferior, por ser a fonte dos pecados]

    No Budismo o sofrimento faz parte da Vida, da Roda de Samsara, e que somente através do Dharma, o caminho do Meio, podemos encontrar a Paz, ao atingir o Nirvana, o estado de não-sofrimento. Uma roda que gira e gira, tal uma engrenagem, de era em era, de éon em éon, assim um relógio cósmico, pois o tempo não para,

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Cruel engrenagem de Descartes
- O relógio existe sem pensar!
Mesmo em corpo defunto
vive! E viverá…

[Poema-Relógio, p. 27]


    É o drama da consciência, do saber-se ser para a morte. O humano valoriza a vida pois sabe que esta é finita, é tudo aqui-e-agora, não podemos procrastinar, não podemos fechar os olhos, e deixar o tempo se escorrer pelos dedos. Ouvimos o sussurro do carpe diem, ‘aproveite o dia’.


    É na pressão que as obras são criadas pelos poetas, quase à beira da depressão, meio ao sofrimento, mas importa que escrever é viver! Sem a escrita o poeta está silente

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Porque a escrita é o primeiro contato
Do oral com as narrativas
Do silêncio com o choro, o grito
Do verso, da estrofe ou da rima
Sentimentos disformes, abstratos
Escrever é tudo! Me fascina

Não escrever é morrer!

[Não escrever é morrer, p. 32]



    Pressão na qual vivemos e sobrevivemos num cotidiano de fuligens e cânceres, de subnutrição, fome e vírus, como é a atual a questão política da Pandemia, a doença intensificada pelo desgoverno negacionista, que não atua para diminuir o sofrimento mas para comercializar, e lucrar com a dor alheia. Mas o que causa tudo isso? Por que o tal governo está no poder? Quem o colocou lá no Planalto?

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O mau voto é este morcego (negacionista)
Sem máscara, a morte ceifando vidas
Que pandemônio, meu Deus! Pesada cruz

[O morcego de Wuhan, p. 50]


    Mas, pensemos, por que votamos em maus políticos? Por que insistimos em votar em elites, e seus representantes, que nada querem do povo além de trabalho e servidão?   É uma vontade de servir, de submissão à servidão, como encontramos na obra Discurso da Servidão Voluntária, do pensador francês Étienne de La Boètie [1530-1563]. De onde vem o poder do tirano? Por que muitos abrem mão da liberdade para servir a um líder? De onde vem a vontade de se submeter ao poder? Interesse? Masoquismo?

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Porque a força do tirano é dada pelos súditos
Oh! Servidão voluntária,
denúncia de La Boétie
O hábito é o cabresto do cordeiro
Outrora lobo, perdeu-se na apatia
Desnaturados pelos costumes

Desidratamos, definhamos,
tornamo-nos esfinges
Vítimas do próprio enigma, eis o homem:

[Cordeiro, pp. 66-67]



    Todo um caldo de pressão e opressão que gera o fenômeno da Ansiedade. Tal mal-estar civilização, como dizia o psicanalista Sigmund Freud,  ou na modernidade,  como defende Sérgio Paulo Rouanet, que parece um buraco-negro dentro da mente, a psiquê perturbada, que começa a devorar tudo, de dentro para fora,
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Volumes e volumes… Dor, paixão, glória
do mito à criação, de jesus ao anticristo
A física e a metafísica…
A Quântica e as Supercordas

[…]

Devorou os livros, sagrados ou profanos…
Lidos ou esquecidos
Num ato covarde (tal qual Alexandria)
Ansiedade devorou a memória…
E o presente (daquele que a lia)

[Ansiedade, p. 53]



    Diante da pressão cotidiana e da ansiedade que vai corroendo dentro, percebemos o poeta tal um místico Rilke diante do silêncio das coortes celestiais, que parecem tão indiferentes aos dramas humanos, tão humanos,

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“Se eu gritasse, quem das legiões dos anjos escutaria
o grito? E mesmo se, inesperadamente,
um deles me acolhesse no coração: sucumbiria à sua
existência mais forte! Pois o belo não é senão
o princípio do espanto que mal conseguimos suportar,
e assim ainda, o admiramos porque, sereno,
deixa de nos destruir. Todo anjo é espantoso.”


[Die erste Elegie, Primeira Elegia, trad. Emmanuel C. Leão]






    Daí surge um clamor, um querer-saber-o-porquê, com um grito daquele célebre quadro do norueguês Edvard Munch [1863-1944], quando diante da amplidão da Criação e da Natureza.  Realmente o protesto veemente contra a destruição do meio ambiente, como já alertam os ecologistas há meio século, e antes destes os vanguardistas da  Beat generation, principalmente Gary Snyder, além de poeta, um pensador, um adepto do zen budismo que vem alertando para o suicídio que é destruir o planeta onde a humanidade vive e sobrevive. O homem esquece que é um animal entre animais, e que todos são iguais na luta pela vida,


Homem que polui o lago
Que polui o rio
Que polui o mar
Que polui…

O homem, porque polui
É como o lobo:
Uiva!

[Hidratação, pp. 62-63]



    Mesmo com todo o pesar e com toda a ansiedade, o Poeta não perde a Esperança no ciclo da Natureza, a alternância das estações, a sucessão das gerações, pois tudo está em permanente mudança, transformação, eterno retorno, como um motor que se retroalimenta,  


Panta rei! Tudo flui… Todo gozo é regurgito
Energia em moto perpétuo, imortal idade
Vida que transborda
Do idoso ao feto

[Estações, p. 73]


    Em tom esperançoso, na Parte II de O Cético Selo, a ciência é aqui aclamada, é homenageada, quase cultuada, no longo poema erudito Quântico das Criaturas, que enaltece as grandes mentes da epopeia das Ciências, e a própria existência da energia, com a qual movemos nossa frágil civilização,



Aclamada seja a intuição
Dos seres de saber e ciência
Teus crânios são como luas
Teus olhos vivos, estrelas

[…]

Aclamada seja, energia,
Pelos fluidos magnéticos
Preciosos àqueles (moralmente) sábios

[…]

Aclamada seja, energia,
Pela luz elétrica
Por toda tecnologia, pelas vacinas
E curas vindouras (a nosso favor)


[pp. 81-83]


    O poema que dá nome ao livro é extenso, denso, erudito, pleno de intertextualidade, com textos bíblicos, hermetismo, orientalismos, tanto que podemos compará-lo com Cordeiro, que se dedica mais às ciências sociais, assim como Quântico das Criaturas tem seu foco nas Físicas e Químicas. E ainda veremos o casamento de opostos, da Grande Síntese, no poema que fecha a Parte II e a obra, Esperança.


Unificação dos contrários!
Alavanca da evolução
trevas e luz, Yin e Yang.
A verdade é um contraste
Água e vinho, na companhia de Pirro
e Sexto Empírico
Um cético banquete, sem glutonaria de certezas

[O Cético Selo, p. 89]



De todos os mitos, do caldo vivo,
De Darwin e Freud, da mente, da evolução
Jesus, solidário ao Cristo Cósmico,
nossa redenção!

Como a China de Confúcio
A Pérsia de Zoroastro
O Oriente de Buda
O Egito, de Tot e Hermes Trimegisto


[Esperança, pp. 98-100]



    E temos citações e referências a retórica, Banquete de Platão, números sagrados de Pitágoras, a obra de Aristóteles, a kabalah judaica com os nomes de Deus, D’us, Javé, Jehova Jiré, e também lembra dos antigos cavaleiros das Cruzadas, da Guerra Santa, Holy war, contra os infiéis, das ordens esotéricas, dos rituais afro-brasileiros, do sincretismo religioso...

    É aquela união de opostos nas núpcias químicas do místico poeta Blake, tensionado entre o silêncio ou música, entre o clamor e a meditação, quando busca em vários livros sagrados e códices a resposta para o Sentido da Vida, o que é bem viver, qual o fundamento existencial do Ser.


    Para o Poeta e Filósofo Rodrigo Starling, o Ceticismo não é ateísmo, não é simplesmente apregoar por aí uma descrença, ou uma Crença no Nada, um niilismo. Trata-se, antes, de um tipo de Ceticismo positivo, ativo – não um negativo, passivo. Um ceticismo que atrai reflexão, uma suspeita das verdades tão propagandeadas ao nosso redor e que não passam de ‘fake news’ como se diz hoje em dia.

    Politicamente, um Ceticismo enquanto uma posição conservadora, como podemos ver em Edmund Burke [1729-1797], que desconfia da Revolução, ou de um controle sobre a Revolução. No caso, se abordava a época da Revolução Francesa, que derrubou a monarquia do Ancien Régime e, através do Terror, tentou implantar a República apenas para cair no império napoleônico.  
 

 







    O poeta tem aqui sua expressão, seu desabafo estético do desassossego. Mas a quem se dedica o livro? Ao hipócrita leitor, como dizia Baudelaire? Dois poemas tratam detidamente deste quesito, quando o Poeta explicita o tipo de leitor/a que tem em mente ao deslizar a caneta no papel,




Leitor, quem te tornar ao me leres?

Mais crente em Deus e nos profetas
Agnóstico, ateu, cético ou asceta
Mais anjo que um demônio terrestre
Cativo, discípulo em busca do mestre


[Leitor, quem te tornas ao me leres?, p. 93]



Eu vos dedico este poema
Filósofos do presente, visionários, artistas
Freiras, cortesãs (dos conventos ou bordéis)
Acadêmicos, letrados, bolsistas


[Eu vos dedico, p. 95]



    Quem é o leitor de Poesia? É aquele que espera ser desafiado pelo poema, espera ser surpreendido – o/a leitor/a quer encontrar o misterioso, o indecifrado – não é assim o/a atento/a leitor/a? Que este livro, um cético selo, seja uma mensagem de alerta e cumplicidade, para abrir os olhos e não se deixar abafar em mediocridades e meias-verdades.  



    Como já disse na Apresentação de O Cético Selo, “A grande originalidade da poética de Rodrigo Starling está na amálgama alquímica de opostos, de passado e de presente, de crença e de descrença, de ceticismo e de esperança. O poeta sabe que é inútil culpar a vida, que o necessário é assumir a existência, sem dogmas, sem desespero, sem suicídio, para dar um fim à ansiedade e alcançar a esperança.”




set/ 21


Leonardo de Magalhaens

poeta, escritor, crítico, tradutor

Bacharel em Letras / Fale / UFMG




Referências


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BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BLAKE, William. Canções da Inocência e da Experiência. Belo Horizonte: Crisálida, 2005.

___________ . O casamento do céu e do inferno. Porto Alegre: L&PM, 2007.

BOSI, Alfredo. O Ser e o Tempo da Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

CANDIDO, Antonio. A Educação pela Noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2000.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da Teoria. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Penguin, Companhia das Letras, 2011.

HEIDEGGER, Martin. Hölderlin y la Esencia de la Poesia. Madrid: Alianza, 2009.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

NUNES, Benedito. A Clave do Poético. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

___________ .  Passagem para o poético. São Paulo: Ática, 1992.

POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix, 2006.

ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-estar na Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

STARLING, Rodrigo. O Cético Selo. Belo Horizonte, Selo Starling, 2021.

____________ . Nós e outros poemas. Belo Horizonte, Selo Starling, 2010.

WERLE, Marco Aurélio. Poesia e Pensamento em Hölderlin e Heidegger. São Paulo: UNESP, 2005.

WILLER, Claudio. Os poetas malditos. In Eutomia. Recife. Jan./Jun. 2013.



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