Gustav Klimt [fonte: Internet]
Conto
Retrato de um artista (obsessivo)
Quando Ignácio Mendes de Muniz me viu, se apaixonou. Eu imaginei uma amizade de artistas, mas o que vivi foi um assédio.
Cheguei à exposição de cabelo preso e sandálias transparentes, tendo antes encontrado minha amiga Alice Souza em seu ateliê. Foi um chá agradável, só falamos de lembranças comuns, tipo aquela viagem pelo sul de Minas, antes da pandemia.
Depois é que segui para a exposição lá na Savassi. Casa cheia, bons amigos. Lá um dos artistas, com quadros e instalações em duas salas, era justamente Ignácio M. de M. que estava ocupadíssimo entre as salas, acompanhado pela Izabela Muniz, sua tranquila e apagada esposa.
Cheguei de cabelo preso, vestido bordado e sandálias transparentes, como já disse, e fui surpreendida pelos olhares atentos, e calientes, do Ignácio M. de M., que, segundo me revelou depois, já se encontrava fervendo de paixão.
Segui o casal pelas duas salas, não prestei muita atenção às peças, sempre preferi arte clássica, e o Ignácio M. de M. é muito pós-modernidade para o meu gosto. Não prestava atenção às peças pois era sempre desconcentrada pelos olhares do famoso artista.
Sou uma mulher de trinta anos, como sabem, uma balzaquiana, e virei uma obsessão para o cinquentão Ignácio M. de M., artista de Diamantina que veio fazer fama em BH.
Deixei um pouco a exposição, fui até a varanda, li mensagem no celular e até tentei ler o panfleto ou guia da galeria, mas logo percebi que alguém me observava. Lá no segundo andar, na janela do corredor, um vulto de homem me seguia com olhares. Só podia ser o Ignácio mesmo.
Andei pelo pátio, encontrei minha amiga Sara, também pintora, mas que não estava no catálogo. A última exposição dela foi na Pampulha, antes da pandemia.
E até encontrei o Pedro, meu ex-marido, que até estava sozinho, sem a presença desagradável de sua nova conquista, uma pós adolescente, que frequentava seus cursos esotéricos.
Pedro é um bom homem, nunca me traiu, mas é meio aéreo, desprovido de ambição, mesmo que às vezes um egocêntrico. Nunca me traiu, mas vivia em sua torre de marfim.
Não dei atenção ao Pedro, fiz um aceno qualquer de até logo e voltei para o salão principal apenas para ser surpreendida por um trio de jornalistas, muito excitados, e pela atenção desmedida de Ignácio M. de M., ao lado da Izabela Muniz, quase cegada pelos flashes.
Foi o que lembro do primeiro dia. Da primeira noite, foi após um show de jazz na praça da Liberdade, quando fui absolutamente seduzida pelo carisma de Ignácio M. de M., sempre exageradamente sorridente e atencioso. É um canalha que sabe agradar uma mulher.
É um mistério realmente. Por que nós mulheres gostamos de canalhas? Eu vivia bem com o Pedro, um homem de bem. Meio aéreo, nas nuvens, tudo bem, tudo ok, mas nunca me traiu. Por que fui me envolver com um homem casado? Um homem ciumento... Um homem perigoso!
Depois daquela primeira noite, num motel que nem lembro o nome, ali na Bias Fortes, tudo ficou mais, digamos, delirante e até claustrofóbico.
O termo é pesado, entendo. Mas é que o nosso Ignácio M. de M. é este homem exagerado que conhecem. Homem de ligar cem vezes, homem de me seguir pelas ruas, pelos corredores do shopping, perguntava da minha vida para os amigos e as amigas, faltava alugar um drone para me filmar pelas praças públicas.
Eu gostava dele sim. Uma figura de artista, um homem de renome. Nunca imaginei que ele fosse me sufocar tanto. Até que ele disse que ia se livrar da mulher. Imaginei que ele ia pedir divórcio. Não pensei jamais que ele fosse partir para um ato extremo. Ele tentou envenenar a mulher! Coisa de drama de cinema? Pois era verdade.
E hoje todo mundo sabe. Ignácio M. de M. fez tentativa de envenenar a própria esposa. E depois falava que era tudo por amor. Que Izabela Muniz jamais daria o divórcio e que isso era um suplício. Ele jurava que não podia viver sem mim.
Então, mesmo admirada e tão elogiada, não podia mais fingir que tudo estava bem. O homem era capaz de tudo. Achei melhor dar um tempo. Aí é que o terremoto começou. O homem me ligava todos os dias. Mandava recados pelas amigas. E até presentes bregas pelo correio.
No último encontro, que até concordei pela insistência, foi para lá de dramático, e Ignácio M. de M., o artista, rei da arte pós-moderna, virou um plebeu comum, macho assediador e tentou me agarrar como um don Juan qualquer. Tentativa de me beijar, e me violentar, sem pensar duas vezes.
Foi por isso, e só por isso, que procurei as autoridades. E os senhores já sabiam do caso lá com a doença da esposa. Pobre Izabela Muniz.
Quero saber agora dos senhores, como posso me livrar deste homem? Sei que nem se eu me mudar para Paris ou Oslo.... Quem poderá fazer sumir a obsessão de um artista, um semideus?
Abr 25
LdeM
poeta, contista, crítico literário
Bacharel em Letras FALE / UFMG