quarta-feira, 9 de abril de 2025

Retrato de um artista (obsessivo). Conto by LdeM.

 



                                                    Gustav Klimt [fonte: Internet]



Conto 


    Retrato de um artista (obsessivo)


    Quando Ignácio Mendes de Muniz me viu, se apaixonou. Eu imaginei uma amizade de artistas, mas o que vivi foi um assédio.


    Cheguei à exposição de cabelo preso e sandálias transparentes, tendo antes encontrado minha amiga Alice Souza em seu ateliê. Foi um chá agradável, só falamos de lembranças comuns, tipo aquela viagem pelo sul de Minas, antes da pandemia. 


    Depois é que segui para a exposição lá na Savassi. Casa cheia, bons amigos. Lá um dos artistas, com quadros e instalações em duas salas, era justamente Ignácio M. de M. que estava ocupadíssimo entre as salas, acompanhado pela Izabela Muniz, sua tranquila e apagada esposa.


    Cheguei de cabelo preso, vestido bordado e sandálias transparentes, como já disse, e fui surpreendida pelos olhares atentos, e calientes, do Ignácio M. de M., que, segundo me revelou depois, já se encontrava fervendo de paixão.


    Segui o casal pelas duas salas, não prestei muita atenção às peças, sempre preferi arte clássica, e o Ignácio M. de M. é muito pós-modernidade para o meu gosto. Não prestava atenção às peças pois era sempre desconcentrada pelos olhares do famoso artista.


    Sou uma mulher de trinta anos, como sabem, uma balzaquiana, e virei uma obsessão para o cinquentão Ignácio M. de M., artista de Diamantina que veio fazer fama em BH.


    Deixei um pouco a exposição, fui até a varanda, li mensagem no celular e até tentei ler o panfleto ou guia da galeria, mas logo percebi que alguém me observava. Lá no segundo andar, na janela do corredor, um vulto de homem me seguia com olhares. Só podia ser o Ignácio mesmo.


    Andei pelo pátio, encontrei minha amiga Sara, também pintora, mas que não estava no catálogo. A última exposição dela foi na Pampulha, antes da pandemia.


    E até encontrei o Pedro, meu ex-marido, que até estava sozinho, sem a presença desagradável de sua nova conquista, uma pós adolescente, que frequentava seus cursos esotéricos. 


    Pedro é um bom homem, nunca me traiu, mas é meio aéreo, desprovido de ambição, mesmo que às vezes um egocêntrico. Nunca me traiu, mas vivia em sua torre de marfim


    Não dei atenção ao Pedro, fiz um aceno qualquer de até logo e voltei para o salão principal apenas para ser surpreendida por um trio de jornalistas, muito excitados, e pela atenção desmedida de Ignácio M. de M., ao lado da Izabela Muniz, quase cegada pelos flashes.


    Foi o que lembro do primeiro dia. Da primeira noite, foi após um show de jazz na praça da Liberdade, quando fui absolutamente seduzida pelo carisma de Ignácio M. de M., sempre exageradamente sorridente e atencioso. É um canalha que sabe agradar uma mulher.


    É um mistério realmente. Por que nós mulheres gostamos de canalhas? Eu vivia bem com o Pedro, um homem de bem. Meio aéreo, nas nuvens, tudo bem, tudo ok, mas nunca me traiu. Por que fui me envolver com um homem casado? Um homem ciumento... Um homem perigoso! 


    Depois daquela primeira noite, num motel que nem lembro o nome, ali na Bias Fortes, tudo ficou mais, digamos, delirante e até claustrofóbico


    O termo é pesado, entendo. Mas é que o nosso Ignácio M. de M. é este homem exagerado que conhecem. Homem de ligar cem vezes, homem de me seguir pelas ruas, pelos corredores do shopping, perguntava da minha vida para os amigos e as amigas, faltava alugar um drone para me filmar pelas praças públicas. 


    Eu gostava dele sim. Uma figura de artista, um homem de renome. Nunca imaginei que ele fosse me sufocar tanto. Até que ele disse que ia se livrar da mulher. Imaginei que ele ia pedir divórcio. Não pensei jamais que ele fosse partir para um ato extremo. Ele tentou envenenar a mulher! Coisa de drama de cinema? Pois era verdade.


    E hoje todo mundo sabe. Ignácio M. de M. fez tentativa de envenenar a própria esposa. E depois falava que era tudo por amor. Que Izabela Muniz jamais daria o divórcio e que isso era um suplício. Ele jurava que não podia viver sem mim.


    Então, mesmo admirada e tão elogiada, não podia mais fingir que tudo estava bem. O homem era capaz de tudo. Achei melhor dar um tempo. Aí é que o terremoto começou. O homem me ligava todos os dias. Mandava recados pelas amigas. E até presentes bregas pelo correio. 


    No último encontro, que até concordei pela insistência, foi para lá de dramático, e Ignácio M. de M., o artista, rei da arte pós-moderna, virou um plebeu comum, macho assediador e tentou me agarrar como um don Juan qualquer. Tentativa de me beijar, e me violentar, sem pensar duas vezes. 


    Foi por isso, e só por isso, que procurei as autoridades. E os senhores já sabiam do caso lá com a doença da esposa. Pobre Izabela Muniz. 


    Quero saber agora dos senhores, como posso me livrar deste homem? Sei que nem se eu me mudar para Paris ou Oslo.... Quem poderá fazer sumir a obsessão de um artista, um semideus?



Abr 25 



LdeM 



poeta, contista, crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG








segunda-feira, 17 de março de 2025

É preciso humanizar. Crônica by LdeM. 2025

 





                                                       fonte da imagem: Internet



    É preciso humanizar 



    É preciso humanizar os companheiros de viagem. De volta do serviço, no ônibus lotado, observo as pessoas... De onde? Para onde? Os nomes? Conheço nenhum. 


    Todas e todos moram aqui no bairro, onde vivo já uma década. Diante de mim, uma senhora olha pela janela, lá fora o trânsito de sexta-feira ao anoitecer. Morena, gorda, simpática, é católica devota. Parece que volta de uma clínica ou hospital. É a avó da moça que trabalha no caixa da padaria. A moça que trabalha sem olhar muito para os fregueses. Parece tímida, mas já vi a moça discutindo com um senhor sobre o valor cobrado por um lanche. Aí ela falou em alto e bom tom. 


    A moça mora no mesmo prédio que aquele rapaz, junto a porta do ônibus, com um uniforme de concessionária de veículos. Ele trabalha na equipe de manutenção e reparos. Se não me engano, ele está noivo de uma mocinha evangélica que mora na rua de cima.


    Na rua de cima onde justamente está a escola municipal, onde estudam os filhos daquela jovem senhora,  balconista de loja de tintas e pigmentos, quinze anos de casada, com um pastor pentecostal, que durante a semana é um mestre-de-obra.


    Ao lado da jovem senhora esposa do pastor está sua vizinha, uma católica não- praticante, que trabalha numa agência bancária lá na Avenida Portugal. Tão jovem quanto a esposa do pastor, a católica não-praticante viaja com olhos semiabertos, com ares de cansaço e pouca disposição para diálogo. 


    Atrás delas, duas adolescentes estudantes chegando do estágio e reclamando dos valores pagos. Elas, duas moreninhas sorridentes, estudam de manhã e se transformam em estagiárias, e, antes de profissionais, já estão ironizando os patrões.


    Dois homens conversam sobre o campeonato mineiro ali junto da sanfona do ônibus, enquanto sobem e descem, como se fossem surfistas nas ondas. Um é moreno e alto, com uniforme de empresa, óculos sem aros, uma mochila preta, fala alta e exaltada. O outro é branco e mais baixo, com óculos escuros, roupa comum, tênis de marca, e pouco se ouve o que ele diz, se afirma ou contradiz. 


    Às minhas costas, a mulher mais bonita deste lotação. Alta, morena, vestido de secretária, é justamente a secretária de uma empresa de advocacia. Ela olha para as luzes da avenida e responde uma mensagem no ZAP. Não vejo a bela conversando com amigas ou vizinhas. Fico a imaginar a voz da bela. Ela nunca me viu e a vejo sempre. Sei que ela mora depois do ponto da rua da escola, pois é lá que eu sempre desço. Ela vai além, deve morar lá pros lado do ponto final. 


    Por falar em ponto de ônibus, o meu se aproxima. Já estamos no bairro. Lá fora as crianças correm atrás de uma bola colorida. E um cachorro preto corre atrás das crianças. Aqui dentro o ar condicionado não é suficiente. As pessoas agitadas e ansiosas. 


    Ouço um pedaço de conversa entre os dois homens lá junto da sanfona do ônibus. Um diz que hoje vai chegar cedo. O outro brinca que pobre não pode chegar cedo em casa. Algo está errado. 


    -- Se chegar tarde, ela vai dizer que é traição, que  tenho outra... Se chegar cedo é perigoso dar de cara com o outro... Dá ruim.


    Minha hora de descer. Não ouvi o resto do fragmento de prosa ... As faces cansadas de afastam junto às janelas daquele microcosmo de ar-condicionado que se afasta. Fiquei distraído por um milésimo de segundo. Quase fui atropelado por um jovem motorboy entregador de fast foods!



Mar 25 


LdeM


Escritor, crítico literário 

Bacharel em Letras FALE / UFMG 


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leonardo.demagalhaens 


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leomagalhaens3



.: 



segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Sonetos. A Montanha Mágica. O Processo. Orlando. O Nome da rosa. by LdeM

 




Soneto 


A Montanha Mágica 


Não é um herói, um simples moço,

Cheio das ambições de sua classe,

Visita sem primo sem alvoroço,

Numa famosa época de impasse.


No sanatório da alta montanha, 

Os pacientes falam da vida, 

Do progresso, o glamour, e façanhas 

Das colônias em guerra contida.


Enquanto o tempo passa inclemente, 

Arrasta as ideologias e crentes, 

Arrasa os pensadores em duelo. 


Hans Castorp contempla seu futuro, 

Vive sem esperar o golpe duro:

A Grande Guerra, moderno flagelo.



Jan 25




LdeM 












Soneto 



O Processo 


Um cidadão acusado sem provas 

Sofre um processo assim infindável 

De medo, autoacusação e culpa:

Um labirinto longo, inenarrável.


Neste enredo cheio de absurdos, 

Paranoia mais burocracia, 

Joseph K. vive em seu pesadelo, 

Em longos corredores de agonia.


E quanto mais ele vem se explicar 

Mais em dramas vai se complicar:

O seu destino é de todo incerto.


É um processo surreal e infindo 

Com toda a esperança se esvaindo:

Vítima de irremediável decreto!



Dez 24 



LdeM 













Soneto 



Orlando: uma biografia 


Em plena Inglaterra de Shakespeare, 

Jovem da nobreza cria seus escritos, 

Épicos & farsas, versos malditos 

Que ele jamais ousaria assumir.


Orlando polia & escondia sua Arte, 

"Escrita não é obra de nobres! 

Deixemos essa lida aos esnobes",

É o que ele ouvia em toda parte.


Ele queria amigos escritores, 

Mas só colhia tantos dissabores, 

Até preferiu viver n'Oriente. 


D'um sono de Bela Adormecida,

Acordou uma moça desinibida, 

Com novos versos & dramas em mente!



Jan 25 



LdeM 




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Soneto 



O nome da rosa 


Época de heresias e inquisição, 

Um monge sherlock na Idade Média 

Denuncia a cruel perseguição:

Vive o trágico, discute a comédia.


Hereges e frades se confundem 

Num enredo de longa discussão 

Teológica e num complô se unem: 

Trama diabólica sem solução.


No labirinto d'uma assombrada 

Biblioteca de obras proibidas:

Lá nenhuma alma é resgatada, 

Só dogmas e fúrias homicidas:


Onde não há chance para o perdão, 

Finda tudo em fogo e danação.



Dez 24 




LdeM 








Leonardo de Magalhaens  


poeta, contista, crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG

BH MG



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segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Sonetos. Dom Casmurro. Macunaíma. Vidas Secas. Grande Sertão: veredas. LdeM

 




Soneto 



Dom Casmurro 


Crônica de ciúmes d'um casmurro 

Que se apaixonou ainda moço 

Pela bela mocinha Capitu, 

Vizinha de causar tanto alvoroço.


Capitu, de olhos dissimulados, 

Musa de paixão a casamento, 

Só transtornou a vida de Bentinho, 

Não lhe deu sossego um só momento.


O homem, se via, sofria rabugento, 

Não confia mesmo no melhor amigo, 

Sempre era obsessivo o seu pensamento.


Escobar, o amigo, morre no mar!

Capitu pouco oculta o sentimento!

É o que basta para um ciumento!



Dez 24 



LdeM 












Soneto 




Macunaíma 


Lá nosso herói nasceu no mato virgem, 

O Macunaíma, filho da terra, 

Ai! que preguiça! Ele logo berra 

E, calado, admirava a paisagem.


Lá o moço cochila na maloca, 

Na tribo, os irmãos brutos labutam, 

Pajelanças, outros curumins lutam, 

Belas cunhãs preparam tapioca.


Fez-se adulto, seduz a Mãe do Mato, 

Ganha um talismã, vence a Cobra-Grande, 

Perdeu o amuleto! A saga se expande: 


Até à cidade segue o ingrato, 

Enfrenta o gigante que come gente 

E sobrevive! êta! Que valente!



Dez 24 




LdeM 












Soneto 



Vidas Secas


Retirantes da terra de miséria, 

Fabiano, Sinhá Vitória, e filhos, 

Fogem da funesta fome no agreste, 

Buscam vida digna além da seca. 


Atravessam fazendas na caatinga, 

Tropeçam nesta terra ressequida, 

Cercados de posseiros e tenentes, 

Capangas e vaqueiros, rudes servos 


De poderosos senhores de feudos, 

Alheios às andanças dos miseráveis, 

Que vivem de penúria e lembranças, 


Em trapos, sem fala, sofre prisão:

Perde-se a família na cidade, 

Choram a morte da pobre Baleia.




Dez 24 



LdeM 




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Soneto 




Grande Sertão: veredas 



Riobaldo, homem rude dos sertões 

Atravessa os agrestes e destino 

E desbrava as brutas imensidões 

Áridas do mineiro-nordestino 


Interior adentro sem porteira, 

Ousa transcender as poucas veredas, 

Perpassa povoados e fronteira, 

Cabra zeloso ao que a vida segreda.


Rústico, vê duelos e desmandos, 

Jagunços loucos, donzelas perdidas, 

Os bandos em tocaia se matando.


Sobrevive p'ra pensar suas feridas, 

Percorreu o sertão até o fim 

E sem conquistar a sua Diadorim.



Dez 24 



Leonardo de Magalhaens 



poeta, contista, crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG

BH MG




sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Sonetos. O Vermelho e o Negro. Crime e Castigo. Os Miseráveis. Madame Bovary. by LdeM



 


Soneto 



O Vermelho e o Negro 


Na província, jovem ambicioso 

Segue os passos d'uma figura heroica, 

Seduz dama e nobres, audacioso, 

Subindo numa vida paranoica.


Julien Sorel, o plebeu francês, 

Depois do grã Império do General, 

O grande arauto do mundo burguês, 

Fez de Bonaparte seu ideal.


Cortejou donzela nobre; se vingou;

Não se previu d'uma antiga paixão:

Da ascensão à uma prisão findou,


Delirando em sua louca ambição, 

O pobre rapaz nunca se livrou 

Da sombra augusta de Napoleão.



Dez 24 



LdeM 












Soneto 



Crime e Castigo 


E cheio de ideias, um jovem russo 

Se julgava ser extraordinário 

Para matar mesmo sem um soluço 

A quem julgasse mero salafrário.


Devia juros a uma senhora, 

Vivia pobre sem qualquer salário, 

Aos estudos voltar sem demora 

E sair de seu mundo solitário.


Raskolnikov, um jovem revoltado, 

Tinha em Bonaparte um ideal 

E vivendo sempre amargurado, 


Por nunca demonstrar grandeza igual, 

Cometeu atroz crime premeditado 

E sofreu seu castigo até  o final.



Dez 24 


LdeM 













Soneto 



Os Miseráveis 


Homem preso por roubar simples pão, 

Jean Valjean sofreu com a crueldade, 

Que as pobres almas sofrem na prisão, 

Os miseráveis sem a caridade.


Lá expostos à desumanidade, 

Todos os pobres sem qualquer justiça, 

Sob rigores da Lei sem piedade 

Vivem em penitência postiça.


Valjean foi honrado com o perdão: 

Ganhou mais uma oportunidade 

De ser um novo honesto cidadão.


Jean cuidou de órfã, salvou um jovem, 

Reaprendeu a viver a liberdade 

Em nobres proezas que nos comovem.



Dez 24 




LdeM 












Soneto 




Madame Bovary 


Emma Bovary, a madame fina, 

Soluçava infeliz no casamento, 

Casada com médico de renome, 

Homem provinciano sem talentos.


Aprecia a leitura de romances, 

Obras sentimentais, fantasias, 

Hábito que trazia do convento, 

Sonhava os príncipes de poesias.


Uma vida de conforto e de tédio, 

Cotidiano fútil sem enredo, 

Madame busca suas paixões com medo, 


Com os amantes, Emma vive as novelas, 

Os plot twists que a vida lhe negou 

E os dramas que na morte resultou.



Dez 24 



LdeM 









LdeM 

poeta, contista, crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG

BH MG